"Pois, lhe digo, minha Dona. É uma pena a senhora andar por aí
fatigando seus olhos pelo mundo. Devia era, logo de manhã, passar
um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga.
Sabe o que faz? Estende-se aí na areia, oblonga-se deitadinha,
estica a alma na diagonal. Depois, fica assim, caladita, rentinha
ao chão, até sentir a terra se enamorar de si. Digo-lhe, Dona:
quando ficamos calados, igual uma pedra, acabamos por escutar os
sotaques da terra. A senhora num certo momento, há-de ouvir um chão
marinho, faz conta é um mar sob a pele do chão. Aproveita esse
embalo, Dona Luarmina. Eu tiro boas vantagens desses silêncios
submarinhos. São eles que me fazem adormecer ainda hoje. Sou
criança dele, do mar."
Mia Couto